No encerramento da programação da Semana da Advocacia, o diretor tesoureiro do Conselho Federal da OAB, Antonio Oneildo Ferreira, fez uma avaliação dos 30 anos da constituição brasileira comparando-a com Julieta, a personagem do livro “A Mulher de Trinta Anos”, do francês Honoré de Balzac, conhecida popularmente como a mulher balzaquiana.
Ferreira fez uma avaliação sobrepondo a mulher de 30 anos com a constituição em alguns aspectos. “A personagem apresenta uma figura ambígua, é romântica ao mesmo tempo que é cética. Dentro destas características podemos destacar cinco similaridades com a constituição. São elas: modernidade, mistério, contradição, desilusão e profundidade”, explicou o conselheiro.
MODERNIDADE – Ele frisou que quando se fala em modernidade, é importante fazer essa especulação em torno do texto constitucional. É necessário avaliar as estruturas do texto constitucional, da vigência da eficácia e da concretização das várias formas de construção ou desconstrução desse texto.
“Quando falamos de uma constituição moderna, nós estamos admitindo que temos constituições que não são modernas. Portanto, o que é um texto constitucional tido como da modernidade, é um texto que sucede um antigo, que era tido como descritivo. A constituinte anterior, descrevia as instituições existentes, os poderes existentes. Já a moderna é um texto normativo, é um texto que se constitui como ato fundante daquela estrutura. Ele é expedido por uma autoridade que usa como pressuposto a soberania popular e institui uma ordem jurídica, um contrato social”, exemplificou.
MISTÉRIO – Oneildo explica que o imaginário coletivo do século 18 emite a natureza feminina como sendo enigmática e misteriosa. Fazendo uma sobreposição ao texto constitucional, ele afirma que se percebe algumas diferenças entre a constituição e as demais estruturas normativas do ordenamento jurídico brasileiro como o código civil, código de processo penal, entre outros.
“A constituição é uma mera folha de papel, portanto esse texto colide, disputa supremacia e não consegue se impor com as forças reais de poderes, que são as forças sociais, estruturas constituídas dentro de uma sociedade como a igreja, as Forças Armadas, a classe empresarial, entre outras”, disse.
CONTRADIÇÃO – Ferreira ressaltou que no texto constitucional há uma série de previsões quanto às garantias fundamentais, uma estrutura normativa destinada a garantia de direitos. “Nós sabemos que esse texto garante trabalho, segurança, previdência, saúde, educação, assistência social e uma série de outras previsões. Um projeto de nação, uma concepção planejada. Sabemos que esse texto colide totalmente com a realidade atual e até mesmo com a prévia a 1988”, lamentou.
O diretor afirmou ainda que não adianta só escrever na constituinte como a sociedade deve ser e não colocar em prática, pois ele se torna um texto discrepante e dissociado da sociedade brasileira. “É necessário fazer uma declaração dessa realidade, ainda mais sob a perspectiva da advocacia que tem como papel, fazer ela valer. Temos uma constituição que prevê a redução das desigualdades regionais, erradicação da pobreza, que prevê a construção de uma sociedade justa e solidária. Nós, nesses 30 anos, caminhamos no sentido de concretizar essa previsão”.
DESILUSÃO – Ele explica também que por força desse distanciamento, a ordem social, assim como a personagem balzaquiana, que ao chegar aos 30 anos percebe que “não materializou os sonhos de felicidade, os sonhos de amor e de realização profissional”. “É semelhante o nosso sentimento. Podemos dizer que a constituição está realizada e materializada ou estamos afetados por um sentimento de desilusão?”, indagou.
PROFUNDIDADE – Balzac diz que aos 30 anos, a mulher está no auge poético. Ela tem a sabedoria, experiência e maturidade. “O grande questionamento é se podemos dizer que nossa constituição tem um ponto de maturação nesse trintenário. Poderíamos afirmar que o texto constitucional tem a maturidade tal qual projetada pelo poeta. Estamos caminhando para sua consolidação. Sabemos que a constituição atual tem toda uma tradição liberal e histórica. Estamos caminhando para esse auge, não poético, mas sim histórico, jurídico-político de consolidação. Sabemos que temos expressivas conquistas históricas de superação de um estado ditatorial, de um estado transgressor, mas já avançamos bastante”, concluiu.